domingo, 14 de junho de 2009

Rodrigo Lacerda lança romance


Esta matéria faz parte da publicação semanal do Canastra: Pílulas dos cadernos literários.

A matéria abaixo fala do lançamento do novo romance de Rodrigo Lacerda. E embalada pelas leituras que fiz de outros livros do autor, sinto-me já ansiosa para o meu exemplar de Outra vida. .

Matéria publicada no Caderno Prosa & Verso (O Globo), em 13/06/2009.

Despojamento de um autor

Rodrigo Lacerda lança romance sobre desilusão amorosa, em que fez esforço para não julgar personagens

Por Rachel Bertol

"Outra vida" (Alfaguara), o novo romance de Rodrigo Lacerda, levou oito anos até vir à luz. Nesse meio-tempo, publicou seu romance de 2004, "Vista do Rio" (Cosac), e um livro para jovens, "O fazedor de velhos" (Cosac), do ano passado. A obra que está chegando às livrarias, sobre um amor à beira da ruína, foi escrita aos poucos, como se Lacerda fosse um diretor de teatro em busca do papel ideal para o perfil de seus atores-personagens — foram eles, sobretudo, que impuseram seu caráter durante a composição da trama. E assim como boa parte dos livros anteriores do autor, este guarda uma estrutura bastante teatral. Não por acaso, Lacerda participará da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em julho, dividindo uma mesa com o dramaturgo e diretor Domingos de Oliveira sobre o tema da desilusão amorosa.

A história se passa numa rodoviária, onde um casal e sua linda filha de 5 anos vivem momentos decisivos: em poucas horas, partirá o ônibus que representará uma ruptura em suas vidas. Por conta da trama dramática, marcada pelo suspense, Lacerda não lançou mão do humor, presente especialmente em nos seus dois primeiros livros — as novelas "O mistério do leão rampante", de 1995, premiada com o Jabuti, e "A dinâmica das larvas", de 1996.

— Mesmo no romance de 2004, embora houvesse momentos dramáticos, pelo menos um personagem tinha mais humor. Ao longo dos anos, minha veia humorística foi aos poucos sendo temprada por uma carga de drama maior — conta Lacerda.

Um corrupto por quem se sente carinho

O livro demorou tantos anos para ser concluído porque Lacerda se debateu, sobretuo, com as mulheres da história: a mãe e a filha. Só o marido tinha seu caráter bem definido desde o início, um homem amoroso, porém fraco que, enredado num esquema de corrupção, viu-se obrigado a deixar a cidade grande. De origem mais humilde que a mulher, tinha cedido à tentação do dinheiro fácil, mas estava disposto a recomeçar no interior, com o apoio dos pais.

— É preciso entender o que acontece no país. Eu queria mostrar um corrupto próximo da gente, por quem as pessoas sentissem carinho. Se eu transformasse o meu corrupto num canalha, que só pensar em se locupletar, estaria fazendo uma caricatura. Mas a corrupção está disseminada na sociedade brasileira, é vício. Aqui e ali vemos pequenas contravenções: o dinheiro que damos para o guarda, o cara do bar que põe a cadeira em lugar proibido, a pessoa que fura o sinal. O marido encontra mil atenuantes para a corrupção. Ele pensa: se a Constituição diz que tenho direito à educação e a tratamento de saúde gratuitos, mas preciso pagar por tudo isso, tem algo errado.

Lacerda também expressa a ambiguidade em torno do personagem:

— O escorregão ético do marido não prejudica o bem público em nada. Ele leva um dinheiro que não sai dos cofres públicos, não adultera o resultado da concorrência, só recebe para transmitir informações.

Mas é sobretudo a mulher — sobre a qual já ouviu comentários de que não presta — que Lacerda vê com bons olhos.

— Não concordo com esses comentários. Enquanto o homem é mais doce, por outro lado tem seus deslizes, que são graves. Ele sempre nega o próprio desejo e obtém o que quer por debaixo do pano. Já a mulher é mais franca, aberta e sincera nesse sentido. Eu a vejo determinada, disposta a correr atrás dos seus desejos.

A maternidade é o tema mais pungente do livro. E não é a primeira vez que o escritor trata dele: em "Vista do Rio", havia a sombra de uma mãe que tinha largado a família para morar no exterior com o segundo marido. Era só uma sombra, mas agora o escritor aprofunda o olhar sobre uma mãe diante de dilemas semelhantes.

— Eu não tinha pensado nisso. Não sei qual foi o processo da mãe em "Vista do Rio", não me debrucei sobre a decisão dela, mas, nesse livro novo, embora ela tenha dificuldade de conviver com o papel de mãe, gostaria, preferencialmente, de levar a família junto.

Obra teve leitura crítica de Ronaldo Correia de Brito

Segundo o escritor, trazer para a cena essa mãe em conflito é uma forma de mostrar como a equação se complicou para as mulheres que precisam conciliar a rotina do trabalho com papel de mãe, esposa, dona de casa. O fato de o homem ser doce também resultaria, um pouco, dessa situação.

O personagem mais cândido é a menina, que foi nascendo, no papel, das lembranças de Lacerda, pai de uma adolescente, e das muitas leituras sobre comportamento infantil que fez para o livro.

— A menina tem uma dose de perversidade, normal nas crianças. Mas, naquela família, ainda, ela tinha de ter algum problema, não podia sair ilesa.

Para chegar à versão final (180 páginas), Lacerda contou sobretudo com as dicas de Ronaldo Correia de Brito, que lhe sugeriu inúmeros cortes. O escritor foi seu principal interlocutor durante a escrita e Lacerda, por sua vez, foi um leitor crítico do elogiado "Galileia" (igualmente da Alfaguara), que Brito lançou no ano passado.

— Sou de família de editores (é filho de Sebastião Lacerda, da Nova Aguilar, e neto do político Carlos Lacerda, fundador na Nova Fronteira). Acredito muito no papel do editor. Também, conversei muito com o editor da Alfaguara, Marcelo Ferroni.

Só alcançou o ponto final depois de um duro exercício de despojamento.

— Sempre ouvi escritores dizerem que o personagem fugia do controle, e achava que era conversa fiada, mas neste livro vivi algo semelhante. Os personagens eram bonzinhos, queriam me obedecer, mas aos poucos eu era obrigado a perceber que não combinavam com que eu queria que fizessem ou dissessem. Fui sendo convencido.

O próprio autor fala, em relação aos personagens, como um diretor de teatro:

— Escrever este livro foi um processo de despojamento da autoridade de diretor que impõe papéis para atores que não têm nada a ver com eles. Foi um despojamento para deixar os atores mostrarem como teriam de representar. É a busca da verossimilhança, também, mas além disso houve uma melhor compreensão dos atributos positivos ou negativos que o personagem teria de ter. Quero dizer, não se tratava de buscar só a verossimilhança, mas de parar de julgar.

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Trecho de "Outra vida" de Rodrigo Lacerda


"Em outro ponto da rodoviária, por entre pernas que andam rápidas, a imagem da filha reaparece. No exato instante em que o pai olha e vê, todos os pensamentos que tumultuavam seu espírito um segundo atrás desaparecem. Ele revive a esperança. Está mais perto agora e fixa bem a imagem e a alegria. Quer lembrar aquele momento para sempre. Num canto do chão sujo da rodoviária está a menina querida, abraçada ao gato que a fizera sumir. Um pressentimento, e ela ergue o rosto. Observado pelo policial que o acompanha, o pai se agacha com afobação, segura e suspende aquele pequeno corpo de criança sem nenhuma força, num movimento antigravitacional. Abraça-a com filhote de gato e tudo entre eles, como se fosse um travesseiro de perfume conhecido, que cede de bom grado à pressão. A menina retribui o carinho, encostando o rosto em seu ombro."


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