quarta-feira, 20 de maio de 2009

Um pouco de técnica com Vinícius de Moraes e Herberto Sales

A coleção Viver & Escrever de Edla van Steen (LP&M Pocket) é maravilhosa, pois nos permite, por meio dos depoimentos de grandes escritores e personalidades culturais, conhecer um pouco de suas vidas, suas obras e de suas técnicas.

Como o que é bom é para ser dividido, resolvi dividir um pouquinho dessa técnica oferecida nos depoimentos de Vinicius de Moraes e Herberto Sales.

Vinicius (1913-1980), o nosso grande poeta, dispensa apresentações. Herberto (1917-1999) nasceu em Andaraí, na Bahia. Membro da Academia Brasileira de Letras. Foi contista, romancista, jornalista, memorialista e autor de livros infanto-juvenis.

Vamos aos trechos de seus depoimentos.

Vinicius de Moraes:

"Não sou um escritor de forma fácil, que vai escrevendo emocionalmente. Por exemplo: mil poemas saem todos os dias, mas eu não anoto nada. Se for importante, o poema volta."

"Saiu [o segundo livro, Forma e Exegese] quando eu tinha 22 anos. Um livro mais organizado mentalmente, porque eu já conhecia Rimbaud, que exerceu uma enorme influência em mim. (...) Foi o Octávio Tarquínio que me pôs no devido lugar, no rodapé literário que ele assinava. Ele disse: 'Olha, menino, vá com calma, você tem tempo ainda. Você tem talento, mas a poesia é mais vasta, é preciso saber manejar o instrumento de trabalho'"

Herberto Sales:

"'Eu não acredito em espontaneidade no ato da criação, espontaneidade é o resultado do esforço que o escritor faz para aparentar que escreveu sem esforço.' O sentido que eu dou à espontaneidade é realmente este: o resultado do esforço que faz um escritor para aparentar que escreveu sem esforço. Além disso, não acredito em espontaneidade -- pelo menos em termos literários -- sem a efetivação de um traquejo estilístico profundo. O escritor que pensar de maneira diferente e resolver confiar na pura e simples espontaneidade, vai acabar sendo catador de coco. Numa palavra: espontaneidade de bardo de cordel é uma coisa, e espontaneidade em termos de literatura realizada é outra."

"O escritor que não policiar esteticamente sua linguagem, isto é, podar, cortar, afinar (no sentido musical), vai acabar se machucando. Muitas vezes eu escrevo com grande fluência, fazendo aquilo que em outros tempos se chamava 'escrever de um hausto'. A possível fluência que muitas vezes tenho hoje, porém, nada mais é que o resultado das grandes dores de parto dos primeiros tempos."

"Para mim, o bom escritor é aquele que nos seus livros nos leva a um reencontro com o que temos em nós de mais profundo e verdadeiro".

"Em Cascalho muitos nomes foram tirados diretamente da vida real. Nomes de pessoas que conheci e com as quais convivi e que entraram para o romance com os seus pitorescos apelidos. Em outras ocasiões, vou buscar nomes nas listas telefônicas, escolho-os às vezes durante a leitura dos jornais, sempre misturando-os, remanejando nomes e sobrenomes, em busca de uma correspondência física entre eles e o personagem. (...) O personagem central era um homem magro e alto, e isto me levou a dar-lhe nome de Jenner, que é, como se pode ver, sentir, um nome magro e alto, com aquele perfil esguio do J inicial e aqueles cambitos nos nn dobrados."

"Há um escritor norte-americano, Scott Fitzgerald, por quem não morro de amores, mas que escreveu pelo menos um conto genial (O Curioso Caso de Benjamin Button), que disse que desde o início de sua carreira pensou em tornar-se um bom escritor. Pela vida afora eu não tenho procurado outra coisa senão isso. Fitzgerald certamente o conseguiu."

4 comentários:

Fatima Cristina disse...

Oi Ana,
Somos duas: também nunca consegui gostar do Scott Fitzgerald. Tive de ler "The great Gatsby" obrigada para um trabalho da escola, na época, e depois tudo que tentava ler dele emperrava...

Que bom que você gostou da minha "viagem"!

Beijos!

Marta disse...

Não existe arte sem transpiração, nos ensinam esses escritores. Mas nós, seus fãs, sabemos que só o esforço também não é suficiente: o pré-requisito sempre será o talento.
Muito bom ler o seu blog, Ana! Parabéns!

Judô e Poesia disse...

A polêmica esforço x talento de fato não é simples. Não acho que o pressuposto "talento" na literatura se realize da mesma forma que na música, por exemplo.
De toda a forma o espaço da virtualidade como liberdade para a expressão poética vai tornar a busca da "boa poesia" um garimpo, interessante para a crítica, e é sempre bárbaro encontrar o "poema perdido" na profusão de sentimentos que fluem pela palavra escrita.
Este é um espaço de qualidade, um bálsamo, e gostaria de registrar meu reconhecimento pelos achados na "Canastra de Contos". Abraços. Domingos.

Ana Cristina Melo disse...

Realmente não se pode considerar só o esforço. E talvez seja aí que resida a diferença: é preciso ter talento para fazer a carpintaria certa. O olhar que reconhece e lapida nada mais pode ser do que esse talento. Acho que é isso que todo pretendente a escritor busca: encontrar esse olhar e descobrir que se tem vocação. :)

Obrigada Marta e Domingos pelas palavras. Que o Canastra possa ser sempre um cantinho gostoso, como poltrona macia, para vocês voltarem.
Um beijo grande, Fatima, e realmente a "viagem" ficou fantástica!