domingo, 13 de setembro de 2009

Pílulas dos cadernos literários (#4) - 12/09/2009 - Resenha de Sinuca embaixo d'água

Continuação das pílulas do caderno Prosa & Verso de 12/09/2009:

Personagens num beco sem saída
Com narrativa segura e sensível, Carol Bensimon constrói romance sobre perdas

Sinuca embaixo d'água, de Carol Bensimon.
Editora Companhia das Letras, 144 pgs. R$ 36,50


Por Beatriz Resende

Porto Alegre, inegavelmente, vem se tornando um espaço privilegiado de onde saem jovens e competentes autores que se destacam em nossa literatura contemporânea. Desta vez é uma escritora, Carol Bensimon, nascida em 1982 e já em seu segundo livro, "Sinuca embaixo d'água".

O primeiro livro da jovem gaúcha, "Pó de parede", de 2008, foi publicado pela Não Editora, selo que dispõe de um catálogo capaz de comprovar a sensibilidade dos editores pelo que surge de novo. As críticas recebidas, assinadas por nomes como Luiz Ruffato e Ivana Arruda Leite não podiam ser mais favoráveis à escritora que surgia. De lá para cá, Carol, mestre em literatura, entrou no doutorado em letras na Sorbonne Nouvelle, foi para Paris e agora lança o romance escrito com o apoio da bolsa de estímulo à criação artística concedida pela Funarte.

"Sinuca debaixo d'água" é a narrativa de uma perda dolorosa, gratuita, especialmente inesperada por se tratar da morte de jovem bonita e divertida em tolo acidente de carro. A destruição daquele corpo parece carregar junto o irmão, o namorado, os amigos, a mãe, a casa, o bar, a cidade.

Cada dor, porém, é diferente, não apenas pelas lembranças de que é feita mas pelas impossibilidades de cada um, seja a mãe a arrastar os móveis pela casa que parece abandonada, o irmão mais velho que perdeu sua única cúmplice, o quase namorado intelectual e sem amigos que quer entender possíveis ou impossíveis razões para aquela morte, ou ainda o solitário dono do decadente bar com sua velha sinuca.

Cuidadosamente construída com precisão digna de romancista experiente, a narrativa é conduzida pelas vozes que sofrem aquela ausência que parece ocupar todo o tempo e o espaço na cidade pequena demais, com um lago sujo demais. O tema é o vazio, são as frustrações que se acumularam rapidamente em vidas breves. Menos do que o futuro perdido para a jovem Antônia, o que perturba a todos é a pobreza de seus passados e uma estranha sensação de estarem vivendo num beco sem saída. A primeira frase do romance já dá o tom da sensação vivida: "É como tirar os rollers depois de andar um bocado e sentir que os pés e o chão não se entendem mais".

Por que cada sofrimento é único, as vozes precisam ser peculiares, os discursos próprios, a narrativa modulada por cada voz que a conduz. Não é tarefa fácil, mas Carol a enfrenta e se sai bem da dura tarefa que se impôs. Talvez porque consiga tirar o olho do próprio umbigo e olhe à volta com toda a força de sua sensibilidade. Se a falta de perspectivas é comum a todos, cada personagem-narrador a encara a seu modo. Para Camilo, o irmão, a perda parece ser mais definitiva: "Os sulcos da terra me levam até Antônia, entornado de barulho selvagem, de bobagem, de culap, o céu assume alguma forma intimidatória, com clarões e peso de tempestade, como uma música de metal épico que narra a história turbulenta de nós dois". Para Bernardo, o colega apaixonado, incompreensível: "Tantos dias sem nada e tudo isso hoje, de modo que sobram motivos para a embriaguez e a estupidez. Quem é essa Antônia, essa Antônia que desce na velocidade acima do bom senso".

De todos os personagens, sem dúvida o mais bem construído é também o mais insólito, o mais misterioso: Polaco, dono do bar "que se parece com uma velha boate sobrevivente de um desastre nuclear". Polaco poderia ter um passado a ser lembrado, poderia ter um futuro se conseguisse decidir para onde ir: "Há uma cidade dentro de você, uma ideia de cidade. Ela é mais forte do que a cidade que não é uma ideia, do que a cidade que está fora, e ela mora em você porque você quer morar nela, mas não mora". À volta destes monólogos, jazz, rock & roll e um certo humor travado, rascante, como se a juventude de Carol a impedisse de tomar tudo isso a sério demais.

"Sinuca embaixo d'água" é mais uma evidência de quanto o fazer literário esmerado, cuidadoso, ciente das possibilidades teóricas do romance é compatível com a vida literária online. Antenadíssima que é, Carol pode ser encontrada em seu site www.carolbensimon.com.

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