Muito antes de ser uma escritora, sou uma leitora, mais que isso, uma apaixonada por livros, no que se tem de mais especial neles - o poder da narrativa. Esse poder que envolve desde os pequenos recém-alfabetizados até os idosos, que é capaz de nos tirar do mundo real e nos transportar para outro universo, tão real quanto, perfeitamente criado pelos autores, para que possamos viajar, sem que nenhuma passagem precise ser comprada, que não o ticket da imaginação.
E essa minha paixão, que se solidificou nos últimos anos num grande amor pela escrita, não tem preconceitos. Apenas o pré-conceito de querer livros que me agradem, me digam algo (pouco ou muito), que me façam chorar ou sorrir, que me façam refletir, que me façam esquecer da minha vida real, mesmo que me joguem dentro dela. Qualquer que seja o estilo literário, a voz narrativa ou até mesmo o gênero literário. Assim, transito pela poesia, contos, romances, novelas, thrillers, romances policiais, infanto, juvenil, biografias ou ensaios.
Nunca fiz distinção entre nacionais ou estrangeiros, preferindo esse ou aquele. Intercalava as nacionalidades em minhas leituras, elegia meus preferidos, deixando que Flaubert me ganhasse tanto quanto Machado de Assis, assim como Vargas Llosa, Garcia Márquez, Borges, Virginia Woolf, Clarice Lispector e Fernando Sabino dividissem minhas preferências. Hoje, contemporâneos como Roth, Coetzee ou Ian McEwan dividem as prateleiras de destaque com Lívia Garcia-Roza, Cíntia Moscovich ou Rodrigo Lacerda. Isso sem contar o cantinho que ainda guarda autores como Sidney Sheldon ou Danielle Steel que me faziam devorar seus livros, madrugada adentro, quando tinha 15 ou 18 anos.
Acho essa balança saudável, essa distribuição boa para todos, escritores, livreiros, editoras e principalmente leitores. O que não acho saudável é no que se transformou a nossa literatura. Em meras referências aos clássicos do século passado ou grandes referências aos “mais vendidos” de hoje. Se falarmos de brasileiros, então, a partida é de goleada. Fala-se pouco, divulga-se quase nada, muito diferente do que acontece com os estrangeiros. Bons ou não, eles sempre têm mais espaço.
Há algum tempo percebi que a lista de mais vendidos influenciava e muito as escolhas dos leitores “comuns”, ou seja, aqueles que não acompanham feiras ou debates literários; aqueles que leem porque gostam, e lerão Paulo Coelho e Dan Brown tanto quanto lerão J. K. Rowling ou Stieg Larsson. Aqueles que chegarão numa livraria e se influenciarão pela banca de destaque ou pelas estrelas expostas na vitrine. Aqueles que seguirão a dica de outros leitores como eles, que compraram um livro da mesma forma, gostaram e vão realimentar a lista, por suas indicações - o que conhecemos como o tradicional “boca-a-boca”. Por isso, comecei uma campanha para termos uma lista de mais vendidos exclusivamente da literatura nacional. E assim venho fazendo lá no Sobrecapa (http://www.sobrecapa.com.br), desde o segundo semestre de 2009.
Mas é apenas uma semente, que vez ou outra, parece quase apodrecer, quando mostra apenas um ou dois livros nacionais entre os mais vendidos das livrarias. Hoje aconteceu isso, quando fui publicar a lista de 15 a 24 de janeiro. Senti-me especialmente desanimada, quando só pude divulgar três livros brasileiros na lista da semana, sem contar que da lista de uma das livrarias, apareceu apenas um título. Senti-me especialmente desanimada ao abrir os suplementos literários de hoje e encontrar apenas uma resenha de autor nacional em cada um, por coincidência, poetas.
Mais desanimada ainda fiquei, quando percebi que na lista de mais vendidos de uma das livrarias que apoiam o Sobrecapa, constava em segundo lugar um livro de Mikhail Bulgakov que não estava lá na semana passada. Fiquei intrigada. Não conheço o autor e me perguntei o que teria acontecido para que ele se tornasse tão conhecido a ponto de parar quase no topo - um patamar tão almejado por tantos. E, como boa detetive, formada pelos livros lidos até hoje, fui ao meu informante principal – o Google. E o que achei? Uma matéria sobre o livro na Veja de 13 de janeiro. Provavelmente, eis a resposta.
Parecendo que um artigo chama outro, descubro na Veja da semana passada um outro texto que me fez refletir de forma diferente sobre o tema. A matéria revela que o “último” romance de Sidney Sheldon (morto em 2007), “A Senhora do Jogo”, que vem ocupando há semanas a lista de mais vendidos, na realidade, não é dele. Apesar de vir em letras garrafais o seu nome, o romance que é uma continuação de “O Reverso da Medalha” foi escrito por Tilly Bagshawe. O acordo de escrever esse livro dessa forma foi proposto pelas herdeiras de Sheldon. Assim, Tilly se tornou uma best-seller por meio da marca “Sidney Sheldon”. E o termo “marca” é reconhecido pela editora e autora. Leia matéria (http://veja.abril.com.br/270110/vivos-para-sempre-p-122.shtml).
Concluo, assim, de forma triste, que a literatura virou, na maioria das vezes, uma moeda de troca. Troca-se a “marca” pela divulgação na mídia, troca-se a divulgação na mídia pelo espaço na livraria, troca-se o destaque nas livrarias pelo consumo do leitor final, que realimentará esse ciclo, deixando de fora nossos autores, que continuarão a encantar um pequeno grupo de leitores com a magia de seus textos, mas continuarão a ser meros desconhecidos ao mundo leitor.
Mas dá para mudar esse quadro? Acredito que sim. Como diz a canção de Ivan Lins, acho que só depende de nós, acreditar e ter esperança, de se obter um mundo literário melhor.
Um comentário:
Eu já havia comentado com alguns amigos sobre as leituras que eu presenciava no metrô. Saiu uma matéria muito interessante, preparada por Fernando Alves, para o informativo PublishNews, exatamente sobre a leitura no metrô. Ler em http://www.publishnews.com.br/telas/noticias/detalhes.aspx?id=55906
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