segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Leituras e releituras (desafio)

Tenho relido alguns livros como fontes para meu romance. E é impressionante como alguns trechos, mesmo depois de tanto tempo, ainda me tocam de forma especial. Então, como gosto de fazer, vou dividir com vocês alguns deles.

Abaixo, um texto atualíssimo, como fonte de opiniões críticas sobre novos escritores.

Vamos fazer uma experiência? Como em 2010 teremos promoções aqui no blog, vou testar alguns caminhos. Então, começo lançando um desafio: Vocês sabem de que livro tirei esse trecho?

Atualização: É parte de uma carta de Mário de Andrade a Fernando Sabino,
escrita em 10 de janeiro de 1942 e está no livro
"Cartas a um jovem escritor e suas respostas"
de Fernando Sabino e Mário de Andrade.
Para quem não leu ainda, fica a minha dica.


Obs: A grafia foi reproduzida exatamente como consta do original.

"Seu livro já está muito bem escrito. Não há dúvida nenhuma que você, como bom mineiro (?) tem o sentimento da língua, como cultura e principalmente como estilo, como expressão de pensamento. E tem no que escreve um sabor brasileiro, muito firme, muito nítido e muito atilado. De extremo bom gosto. Quero dizer: você não cai em nenhum exagero de brasileirismo falso. Com um bocado mais de apuro estilístico e de conhecimento técnico da linguagem, das linguagens populares do Brasil, você chegará a ótimo, talvez grande escritor. De uma língua que já é indiscutivelmente, nacional.

O problema, a meu ver, é tanto mais grave no caso de você que nele se intercala o da sua personalidade de ficcionista. Será você de fato um contista? Este problema é dos mais graves e dos que você precisa resolver pra si próprio. É incontestável que você não tem nenhum conto verdadeiramente forte como assunto. Cujo assunto imponha o conto por si mesmo, como Os Faroleiros, de Monteiro Lobato, como Pedro o Barqueiro, de Afonso Arinos. Não nego que sejam "contos" os contos de você, mas não parece, pelo livro, que você tenha forte imaginação criadora, grande imaginativa, excepcional faculdade de invenção.

Seus contos são leves e delicadas transposições líricas da vida, como o admirável "Anos Verdes", ou irônicas transposições realísticas da vida. Estou pensando em Machado de Assis. Seus contos estão longe de ser impressionantes. Longe de prenderem a gente por uma idealidade humana definitiva qualquer. Aí é que a arte, como beleza de criação técnica, interfere definitivamente para impor e justificar um criador. Si você não fizer coisas maravilhosamente bem feitas como técnica, como estilo, como arte de escrever, como bom gosto espiritual, você será apenas "mais um".

No gênero dos seus contos, você tem, a meu ver, descaídas lastimáveis, principalmente para o lado anedótico. Apesar das observações, excelentes, no realismo humorístico com que você esteriotipa gestos e expressões verbais, contos como As Rosas Iam Murchar e o Padre Venâncio, são simples anedotas simplórias, de lastimável descontrole e nenhuma autocrítica. Mesmo o caso do telefone que, não posso negar, é muito engraçado e me fez rir bastante, é, em última análise, grosseiro, tratado sem tacto, sem delicadeza, bacalhoada de Portugal com arrotos e todas as faltas de medida. Quando você tem, pra salvar seus contos na arte, de abandonar qualquer colorido mediterrâneo e se esquipar no senso de medida dos franceses, e na delicadeza espiritual de ingleses e nórdicos.

Mas ainda eu me pergunto si sua tendência é realmente para o conto e não para o romance... Pela faculdade de observação naturalista, pela riqueza de tipos psicológicos, não sei, sinto em muitos dos nossos contistas, e em você, romancistas verdadeiros, que por preguiça, por falta de tomar fôlego, erram de espécie, se dispersam no conto, quando são romancistas legítimos.

Não sei si você consegue perceber que no fundo seu livro me interessou muito. Mais você que o livro, aliás... Conforme a idade, lhe garanto que você pode ir longe. Mas não como um Jorge Amado, pouco trabalho, ignorância muita, criação de sobra. Você tem que trabalhar dia a dia. Como um Machado de Assis.

E não lhe seria possível botar um bocado mais de responsabilidade humana coletiva nas suas obras?..."

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