quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Pílulas do caderno Mais! da Folha de São Paulo (#4)

Com esse post, chegamos ao final das pílulas do caderno Mais! da Folha de São Paulo, edição de domingo (16/08/2009).

E essa parte já deu o que falar pela rede. Respeito muito o trabalho que o Assis Brasil faz em suas oficinas, mas se concordo plenamente com sua regra 3 do "Para Ler" não há como eu concordar com algumas outras, como a regra 3 do "Para Escrever". Quando terminei de ler fiquei pensando se ele não teria sido vítima da falta de carpintaria no que escreveu. Mas depois relendo e atentando para a sugestão do Moleskine, vi que era aquilo mesmo que ele queria dizer.

Caramba! Um Moleskine custa cerca de R$ 50! E mesmo que custasse R$ 10, não é ser o de melhor qualidade (e maior preço) que vai tranformar meu texto numa obra-prima.

Para mim, bons cadernos, boas canetas, bons lápis podem custar míseros dois reais, mas precisam ser cúmplices do meu texto. Cúmplices, pois adoro escrever à mão. Computador só para passar a limpo. Escrevo e corrijo à mão. E faz diferença o tipo da folha. Quando vou comprar um caderno, procuro os que tenham a linha clarinha. Por que? Porque linha escura se mistura com o tom da tinta. Linha clara deixa que a tinta se destaque e a tinta é nada mais, nada menos que o seu texto. Preciso de uma caneta, bic que seja, em que minha letra já redonda, flua mais redonda ainda. Lápis ou lapiseiras macios que façam eu deslizar pelo papel enquanto as ideias transbordam.

Talvez seja isso que o Assis Brasil quis dizer, mas derrapou ao sugerir o Moleskine.

Quanto às dicas do Marcelino Freire, se concordo plenamente com as regras 1 e 3 do "Para escrever", tenho que discordar de algumas outras, principalmente da regra 3 do "Para escrever". Lembro que eu não tinha coragem de ler alguns textos meus para minha mãe. Selecionava o que iria ler para ela. Mas um dia, ganhei um concurso com um livro de texto forte. Li. Ela fez uma cara! Mas adorou!

E como complemento: não quero um livro que me faça mal, mas que me faça diferença. ;)

Já as dicas do Fischer eu concordei na maioria. Todas do "Para escrever".

Então, eu diria a quem dá dicas, comece pela seguinte:

- Não tenha preconceitos. Lembre-se que todos somos diferentes, portanto o natural é que nossos textos também sejam. O que agrada a um, certamente vai ser repelido por vários outros. Então, apenas escreva. Mas antes: leia, leia, leia.


O QUE FAZER COM UM TEXTO?

Três professores de oficinas literárias chamam a atenção para regras básicas de leitura e escrita

LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

>> Para ler

1. Ignorar os best-sellers, por maior que seja a tentação. Deixe passar cinco anos. Se o livro ainda respirar bem, pode investir.

2. Ler com desconfiança o que lê. Se o livro resistir a essa leitura, é porque é bom.

3. Ler com um lápis na mão. E usá-lo.

4. Conhecer pessoalmente o escritor só depois de ler o livro; caso contrário, a figura do escritor ficará colada ao texto, como um fantasma.

5. Ler edições que tenham bom gosto. Uma edição amadora piora dramaticamente o livro.


>> Para escrever

1. Dedicar mais tempo à leitura do que à escrita.

2. Usar em abundância o ponto final, especialmente quando a frase resiste a qualquer conserto.

3. Usar material de primeira qualidade: bom computador, bom papel de impressão, bons cadernos (sugiro o Moleskine), boas canetas, bons lápis.

4. Não levar o laptop para a cozinha ou para a sala de visitas. Se não tiver um gabinete exclusivo, o quarto é uma boa escolha.

5. Escrever apenas sobre o que conhece perfeitamente, mesmo que seja um romance passado no futuro.


Luiz Antonio de Assis Brasil é professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e autor de "Ensaios íntimos e imperfeitos" (L&PM), entre outros livros.



MARCELINO FREIRE

>> Para ler

1. Quanto mais um livro fizer mal, melhor.

2. Confortável precisa ser a cama, não a literatura.

3. Evitar lista dos mais vendidos.

4. Livro não é para ser entendido, é para ser sentido.

5. Desconfiar das dicas que te dão.



>> Para escrever

1. Cortar palavras.

2. Não usar gravata na hora de escrever.

3. Ouvir, mesmo que baixinho, a própria voz.

4. Desconfiar daquele texto que sua mãe gostou.

5. Ler e beber muito. E, no mais: viver.



Marcelino Freire é autor, entre outros livros, de "Contos Negreiros" (ed. Record) e organizador de "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século" (Ateliê).



LUÍS AUGUSTO FISCHER

>> Para ler

1. Se você estiver diante de um clássico provado pelos tempos -- Shakespeare, Voltaire, Machado de Assis -- e acontecer alguma dificuldade na leitura, pode ter certeza de que o problema é seu, não do texto. Bons textos muitas vezes exigem mais de uma tentativa de leitura.

2. No concreto de uma leitura, pode acontecer que a fruição fique embaçada. Antes de entrar em pânico, tente localizar o foco do impasse: se for uma palavra específica que seja desconhecida, para isso existe o dicionário; se não, volte a atenção para os "que", para os nexos entre as partes da frase.

3. Um texto literário, obra de arte que é (ou aspira a ser), tem direito de ser como é, em sua integridade. Isso alerta para a necessidade de a leitura ser respeitosa: o leitor deve dispor-se a receber as informações e as formas do texto tal como o autor as concebeu. Mas isso não impede que o leitor comum pule fora ao perceber que seu honesto empenho de leitura não está sendo recompensado.

4. Um texto literário merece ser lido em pelo menos duas dimensões, uma linear e a outra enviesada. A segunda é menos perceptível, mas muitas vezes é decisiva, e tem sua carnadura num plano alusivo, nas chamadas entrelinhas, num patamar figurado ou alegórico. A boa leitura não pode contentar-se com a decifração daquela primeira dimensão, necessitando uma atenção mais difusa, próxima da atenção que os psicanalistas praticam ao ouvir o paciente.

5. Em narrativas, um detalhe radicalmente importante, em especial nos romances e contos escritos a partir do século 19 (no Brasil, o marco é Machado de Assis, mas você pode pensar em Dostoiévski, em Poe, em Flaubert), é o jeito de ser do narrador. O bom leitor sempre mantém em vista que o narrador pode ser parte interessada no enredo, pode ser parcial na avaliação dos fatos e das pessoas que menciona, pode saber mais ou menos do que aparenta.


>> Para escrever

1. Tenha sempre em conta que do outro lado de seu texto há, na melhor hipótese, um leitor; e que essa figura, preciosa e fugidia, pode abandonar o barco a qualquer momento. O autor tem todo direito de radicalizar sua escrita, ser inventivo e ousado, mas também o leitor tem o direito de radicalizar por sua parte, caindo fora.

2. Uma das escolhas básicas para quem escreve um relato diz respeito à distância que o texto vai colocar entre a voz narrativa e o(s) personagem(ns), entre as palavras que o leitor vai ler e a vida íntima do personagem, dentro do enredo. Mesmo um narrador de terceira pessoa pode ser muito próximo dos fatos e das pessoas envolvidas, pode acompanhar as ações muito de perto, assim como um narrador de primeira pessoa pode manter uma distância relativamente serena a respeito dos fatos.

3. Embora no sentido trivial o leitor é quem escolhe o texto que vai ler, num sentido muito profundo é o texto que escolhe seu leitor: suas escolhas vão delimitando o universo potencial dos leitores, que serão mais ou menos sofisticados ou numerosos conforme as opções do autor. Confrontar ou agradar o leitor, eis uma questão que é bom ter em mente, para fazer a escolha que interessa (nisso os grandes revolucionários têm muito a ensinar; veja como Miguel de Cervantes, Honoré de Balzac, Machado de Assis e outros tratam o leitor.)

4. Escrever é, em grande medida, administrar entre conhecido e desconhecido, redundância e informação. Um dos riscos sempre implicados nesse campo é o de depender do "background" do leitor, das informações que ele traz (ou não) consigo. Muitas vezes um relato sucumbe porque espera que o leitor aporte conteúdos para compor o sentido de alusões, entreditos, sugestões que o enredo contém.

5. Quem inventa uma ficção está mentindo e espera que o leitor aceite a mentira. Mas sobre essa base há uma outra camada de indispensável verdade: o escritor nunca deve trapacear, nunca fazer pose ou jogar para a torcida. Se começar a contar uma história, tem que assumir o compromisso de contar tudo que importa para que ela aconteça.

Luís Augusto Fischer é crítico literário, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de "Machado e Borges" (ed. Arquipélago), entre outros.

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Confira lista e informações sobre oficinas de texto em vários Estados: www.folha.com.br/0922515

Obras indicadas:
- A Preparação do Escritor, de Raimundo Carrero
- Para Ler como um Escritor, de Francine Prose
- Oficina de Escritores,de Stephen Koch

Um comentário:

Ana Letícia Leal disse...

Ih, Ana, tô viciada no seu blog... Venho toda noite :-)