quinta-feira, 3 de julho de 2008

Flip – mesa “Primeiro Tempo”

Não devemos agradecer ficar de molho por causa de uma gripe. Mas essa que me derrubou ontem, e me fez ficar em casa, trouxe uma vantagem: poder acompanhar as primeiras mesas da Flip.

A primeira mesa dessa quinta-feira - Primeiro Tempo - foi com os escritores Adriana Lunardi, Emilio Fraia, Michel Laub e Vanessa Barbara.

Mediada por João Moreira Salles, editor da Revista Piauí, a mesma teve início com a apresentação dos escritores, e a leitura pelos próprios, de trechos de suas autorias.

Vanessa Barbara, nasceu em São Paulo. É responsável pelo almanaque virtual Hortaliça, e colaboradora da revista Piauí. Publicou dois livros: "O Livro Amarelo do Terminal" (Cosac Naify), um livro-reportagem, originado na monografia de conclusão do curso de Jornalismo, e "O verão de Chibo" (Objetiva), escrito a quatro mãos com Emilio Fraia.

Emilio Fraia, também de São Paulo e colaborador da Piauí, publicou "O verão de Chibo".

Michel Laub nasceu em Porto Alegre, é jornalista e publicou três romances.

Adriana Lunardi, nasceu em Santa Catarina, publicou três livros, o último, o romance Corpo Estranho.

Vanessa leu um capítulo que fala do balcão de informações, no seu primeiro livro, enquanto Emilio leu o capítulo 3 do livro escrito pelos dois. Michel e Adriana leram contos. O dele, inédito, é o primeiro com voz feminina (O homem da praia). O dela foi publicado nesse mês na revista Piauí (Contra a parede).

Após a leitura feita por cada escritor, João falou do impacto que sentiu ao ler o livro de cada autor, e comentou sobre sua impressão a respeito da velocidade da narrativa.

João cita que nos livros da Adriana há uma dilatação do tempo interior, uma expansão dos instantes da consciência. E que a descrição desses intervalos traz uma literatura lenta, no melhor sentido da palavra. Identificou também o universo feminino presente em sua literatura. Cita seu livro de contos (Vésperas) que descreve a história dos instantes que precedem a morte de algumas escritoras. Cada conto se dedica a uma escritora.

Para João, no caso de Michel, existe o universo masculino. Em seus livros, as construções formais são extremamente elegantes. São livros que geralmente lidam com a transição da vida adolescente para a vida adulta, e com as relações familiares. Ressalta, ainda, que há tempos largos da consciência, uma certa urgência no mundo que impacta a velocidade da narrativa. Diz que há acelerações e desacelerações nos livros dele, que resultam numa velocidade moderada.

Nos textos de Vanessa, João identifica o humor, o non-sense, e percebe uma clara aceleração da narrativa.

No caso do livro de Emilio, feito em parceria com Vanessa, percebe um pouco de Lewis Carroll, de uma literatura que se alimenta de tudo.

João lembra que nenhum dos presentes é escritor em tempo integral. Adriana trabalha em televisão, os outros são repórteres, jornalistas.

A partir daí, João pergunta se eles imaginam um dia ter a vida ideal de um escritor que se dedica em tempo exclusivo a essa atividade? Ou se a atividade paralela fertiliza o material que eles escrevem?

Michel diz que até chegou a planejar, mas hoje percebe que é difícil viver só de ficção, e tenta encontrar os fatores positivos nisso. Ao longo dos anos, percebeu que é interessante ter uma outra fonte de renda, para que a literatura assuma o espaço dela – o de liberdade. Com isso, ele escreve sem ter o compromisso com as vendas. Só dessa maneira ele vê que a Literatura pode ser boa.

Emilio disse já ter sofrido com essas diferenças, mas também percebeu que as atividades se completavam, e busca ter o mesmo prazer ao fazer uma reportagem, ou quando escreve, ou quando revisa.

Vanessa concordou com Emilio e citou Borges e Bioy que começaram escrevendo juntos, uma campanha publicitária para um iogurte, no qual criaram uma família búlgara, na qual a filha mais nova tinha 93 anos.

Adriana afirmou que se sente escritora o tempo todo. E dessa forma, vê como inevitável tirar seu sustento de seu trabalho como roteirista. Ela entende que suas atividades se comunicam, mantendo a diferença que os roteiros que escreve estão mais ligados a documentários, a algo que tenta recortar uma realidade sem que sua opinião interfira em demasiado sobre aquilo. Enquanto que para escrever, pequenos gestos acabam voltando para a linguagem. Uma frase sua muito marcante: “escrever é tão necessário, que não saberia fazer de outro jeito”.

João questionou ao Emilio e à Vanessa sobre como é escrever a quatro mãos.

Eles explicaram que tudo começou como uma brincadeira. Eles já haviam escrito um conto juntos. Para a idéia do livro, um escrevia um trecho e passava para o outro, que acrescentava ou mexia no trecho anterior. Procuraram deixar o texto o mais uniforme possível, buscando apagar os limites do que era de um ou de outro.

João questionou se os escritores têm um rigor para escrever, uma disciplina.

Adriana afirmou que sempre está se relacionando com suas obras, a que recém-acabou ou a que vai ser escrita. Está sempre pensando no que foi feito, no que vem depois, deixando que as idéias apareçam para um próximo livro. Quanto ao processo de escrita, normalmente nos dois primeiros meses de um livro, ela se tranca em casa, pára de fazer qualquer atividade profissional que tenha, elimina a vida social. Depois de um ano, ela volta a se entender com o mundo.

Michel disse nunca ter tido um método regular. Sempre escreveu no tempo livre. Às vezes ficava uma semana ou 10 dias sem pegar no livro. Isso o fez criar um método para concentrar nessas duas horas, uma narrativa intensa. Hoje seus capítulos são curtos, talvez gerado por esse método.

Vanessa e Emilio disseram não ter um método de disciplina para escrever. Tentam se dedicar todos os dias.

Do público, veio a pergunta para Adriana, questionando o porquê de se escrever um livro sobre a morte de escritoras?
Adriana respondeu que o livro não é sobre a morte, e sim uma reflexão sobre a finitude. Ela tentou falar sobre momentos cruciais na vida de autoras que tinham-na influenciado, não só pelo que escreveram, mas pelo que viviam e pensavam. A partir da relação dela com essas autoras, buscou concentrar o momento em que as coisas parecem sem saída.

A idéia surgiu após Adriana ler a biografia de Zelda Fitzgerald, e descobrir que ela vivera numa época, na qual sua geração corria todos os riscos, e ao ser internada num sanatório, houve um incêndio e nenhum dos pacientes se salvou, pois as grades do prédio eram irremovíveis. Todos acabaram morrendo por excesso de segurança. Chamou sua atenção, a morte de Zelda contradizer completamente todos os riscos que ela havia corrido durante a vida.

João finalizou a mesa questionando que segredos de escritor eles poderiam revelar.

Michel falou sobre o que todo escritor diz, e as pessoas não acreditam, que escrever não é uma atividade prazerosa. Ele não tinha essa noção antes de começar a escrever. O prazer vem somente depois do livro pronto.

Após uma pergunta de João, Adriana ainda falou que para ela, uma personagem se torna uma presença e companhia constantes. Lembrou que certa vez, seu plano era matar uma das personagens de seu livro, e em certo momento, não pôde, pois isso se tornaria uma punição.

Ufa! Consegui terminar o relato dessa mesa, antes da próxima. Boa FLIP, para quem está lá, e para quem está aqui no sofá da sala, só curtindo com fone de ouvidos.

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