Tudo que eu queria te dizer
Martha Medeiros
Objetiva
Conheci a prosa de Martha Medeiros lendo Divã (2002). E volto a ter o prazer da leitura com "Tudo que eu queria te dizer", uma coleção de cartas-contos, impregnadas de urgência, de uma inquietação que leva as personagens a não adiar a necessidade de dizer, de dizer tudo, de se abrir, de se revelar com suas angústias, dores, frustrações.
É uma avalanche de confissões, de provocações, de verdades e acerto de contas, sem a preocupação com o destinatário, que está lendo cada linha. Destinatário e leitor que somos nós, que nos colocamos dos dois lados, que imaginamos a reação de quem receberia cada carta. Aliás, está aí a força de cada personagem, em poder se entregar, se revelar, sem ser interrompido, sem ter que cumprir um roteiro não previsto por suas ansiedades.
Cada conto-carta nos leva a uma necessidade diferente de reflexão, e mal nos recompomos de uma, já nos vemos entregues a outra igualmente devastadora. São cartas de filhas, mães, artistas, pessoas comuns e diferentes, mas tão iguais nos sentimentos que cada um de nós carrega.
Todas as cartas são igualmente fantásticas. Mas algumas me deixaram marcas. Marcas, pois atingem o coração. Como não sentir a dor de André que escreve à mãe de seu amigo, morto num acidente de carro, no qual ele, André, estava ao volante; ou não sentir a solidão de Clô, ao descrever ao marido morto seu processo de envelhecimento, e a esgarçada relação com a filha; ou de Taís, que ao ver a festa de aniversário da filha sem nenhum convidado, escreve à mãe, num misto de desabafo e acerto de contas; ou ainda de Catarina, escrevendo aos pais, e revelando todas as dificuldades, mas principalmente sua sensação de liberdade, ao realizar seu sonho. Nocaute na carta de Dinorá à irmã, exigindo apoio para cuidar da mãe, que está desestruturando sua vida e seu casamento. Existe, ainda, a carta do pai que vai buscar uma mulher que psicografa cartas, para entender porque o filho se suicidou. Quase no final, acompanhamos Maria Tereza, explicando sua sensação de desorientação ao descobrir-se filha adotiva, ao mesmo tempo, em que precisa reafirmar seu amor pela mãe.
São cartas maravilhosas, com uma poética escondida nas ligas invisíveis de cada frase. Um livro para sairmos mais leves, que nos apresenta todas as violências de nossos sentimentos, mas sem que a tinta nos sobrecarregue.
Leiam, e depois se quiserem, escrevam também suas cartas, nem que seja para ficar na gaveta, como fez a última personagem.
Um comentário:
Eu também li Divã, e nesta época eu já conhecia a Martha, através da sua finada coluna no site do Terra, se não me engano.
Divã é porreta, e me deu um susto danado no meio do caminho. Martha é ótima.
Não tinha ouvido falar deste novo livro dela, e depois vou arranjar um jeito de lê-lo. Se você quiser trocar livros, estamos aí.
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