quinta-feira, 2 de julho de 2009

Simplesmente maravilhosa!

Simplesmente maravilhosa a mesa que acabei de assistir com Rodrigo Lacerda e Domingos de Oliveira.

A conexão sobre o tema Separações se deu entre o filme de Domingos de Oliveira, de mesmo título e o romance de Rodrigo Lacerda, Outra Vida.

A mesa começou com Rodrigo lendo um trecho do seu livro. Exatamente do capítulo em que acontece o primeiro flashback, que é o capítulo que trata do parto da filha. Livro este que foi elogiado por Domingos de Oliveira.

Em seguida, Domingos leu um texto preparado por ele, que fala do tema da mesa e da relação dele com suas próprias separações conjugais. Sua apresentação arrancou muitas gargalhadas da plateia.

Nela ele disse que teve cinco separações e que esses períodos são altamente produtivos. Seu atual casamento com Priscila já dura 28 anos, mas durante esse período, eles passaram um ano separados, e é sobre essa fase que ele conta no filme "Separações". De forma divertida, ele acrescentou seu marketing: “Vai passar aqui, é bom à beça”. Em seguida, ele discorreu sobre a dor do amor e as indagações a seu respeito.

Em seu filme ele usou quatro fases do processo de separação: a primeira, a da negação; a segunda, da negociação (“se ela voltar para mim, eu paro de fumar, vou subir a Igreja da Penha, paro de ser galinha”); a terceira é a revolta (“quero te matar sua filha da puta; puta, tá dando para todo mundo... que eu sei”) e a quarta fase, a da aceitação (“que é quando se arranja outra namorada ou a mulher volta para a gente”). Ele disse que existe ainda a quinta fase, que é do estado de graça.

“O filme é muito engraçado; ver aquele homem se arrastando pelo chão, pagando todos os micos para recuperar a mulher amada.”, disse ele. E para concluir: “Hoje eu tenho 72 anos e continuo querendo me separar da Priscila e ela de mim, pois somos normais. (...) Morro de medo de me separar da Priscila. (...) A verdadeira arte de viver é tentar ser exatamente o que você é.”

Em seguida, Paulo Roberto fez algumas perguntas a ambos, seguidas das perguntas da plateia.

Para encerrar, Rodrigo Lacerda leu um texto que ele e o Paulo Roberto selecionaram, como homenagem ao Domingos de Oliveira. O texto fala do "homem lúcido" e está no filme Separações. Procurei o texto na Internet e presenteio vocês no final do post.

Abaixo, alguns trechos que capturei de suas respostas.

Sobre a relação com os personagens...

Rodrigo: Os personagens são banais, até anônimos. (...) Uma vez eu vi um censo da literatura brasileira, e deu um perfil muito parecido com todos nós: pessoas urbanas, entre 25 e 45 anos, professores universitários ou escritores. Quando comecei, eu disse: quero ir para outro universo. Trabalhar com personagens que não fizessem parte desse mundo literário ou artístico. A ideia toda do livro é iluminar o que há de alegria, de dor, de tragédia, de comedia, nas coisas mais cotidianas, nas coisas mais banais, embora tenha um trecho em que o marido está envolvido num escândalo de corrupção. Mas na essência é uma coisa corriqueira – um casal na rodoviária brigando, quem de nós não passou por isso.
(...)
Enquanto esse casal se debate num impasse, esse valor novo dado às situações banais, ao conflito que é comum a qualquer pessoa, acaba aparecendo. Essa é a ideia.


Domingos: Rodrigo foi modesto. Não há banalidade no mundo. É apenas aparente. A cabeça das pessoas é um turbilhão. Nenhum acontecimento é banal, a questão é se ver mais de perto ou mais de longe. (...) Uma história de amor você vê mil vezes no cinema e continua gostando. (...)
Eu não sei o que é o amor, mas se eu vejo um bom filme de amor, eu sei o que é o amor.
(...)

Eu tento fazer com que as mãos escrevam, não eu. (...) tentando que elas se aproximem do inconsciente. Depois eu tento racionalizar o texto com tudo o que aprendi. Tenho obsessão pela clareza. Aí eu organizo aquilo tudo. Tem uma hora em que eu acho que aquilo tudo é uma merda, que não tenho talento nenhum. É uma hora terrível. (...) Essa fase passa milagrosamente, há um momento em que os personagens começam a escrever a peça para você. Aí a peça começa a ficar boa. A obra é ruim enquanto o escritor escreve, é boa quando os personagens é que escrevem.
(...)
Eu acredito na "terra das peças (romances) prontas". O seu único trabalho como escritor é deixar o seu corpo leve para chegar até lá e pegar. Tanto é que quando você acerta uma página, você fica alegre e estala os dedos e diz é isso, pois a página está lá pronta.

Sobre os personagens que se rebelam...

Rodrigo: Comigo foi um longo processo de escrita. Eu comecei querendo impor a minha vontade, mas os personagens não se revoltavam, queriam me obedecer, mas me mostravam que o que eu fazia não estava convencendo. (...) O fato é que houve uma desobediência pacífica, não foi uma rebelião. Mas no final, não era mais eu que determinava.

Sobre Rodrigo Lacerda procurar personagens muito diferentes de si e Domingos trabalhar os personagens muito autobiográficos...

Domingos: Você pode imaginar histórias, mas no fundo você as viveu de modo direto ou simbólico. (...) Os homens são todos iguais apesar de serem todos diferentes.

Rodrigo: Eu sou perseguido pelos leitores que acham que tudo o que eu faço é autobiográfico.
(...) Nesse livro eu queria escrever sobre pessoas que tivessem uma vida diferente da minha. O titulo também tem essa ideia de projetar outras vidas diferentes da minha.

Sobre autoajuda...

Domingos: Toda arte é uma coisa de autoajuda. A arte pertence a vida. A arte é para criar motivos de viver. A obra de arte só tem valor no momento em que ela te ajuda a viver.
(...) Dom Quixote e Moby Dick não são autoajuda?

Rodrigo: Uma vez me perguntaram se todo livro de auto-ajuda é ruim? Confissões de Santo Agostinho será que não é auto-ajuda?

Outras respostas:

Domingos: Eu sou a favor da vida. Eu tenho uma profunda noção da minha extrema felicidade. Mesmo quando eu estou deprimido, que me acontece duas ou três vezes por semana, porque eu sou um cara normal.

Rodrigo: depois que eu escrevi esse livro, várias pessoas vieram falar comigo. Quando o livro é para cima, diz que é história de amor, quando é para baixo, é historia de relacionamento.

Rodrigo: Quando eu quis fazer um corrupto, eu não queria fazer um canalha inescrupuloso, eu queria fazer um personagem que o leitor pudesse inclusive pensar: "talvez nessa situação, eu também fizesse o que ele fez". Fazer o canalha é muito mais fácil, é muito mais fácil escrever um personagem chapado assim. O difícil é escrever de tal forma que não caia no discurso.

Domingos: Essa coisa do particular para o geral não existe. Cada homem contem o mundo e tudo está em tudo.

Domingos: Nunca deixei de ser produtivo. Inventei uma técnica para isso que eu ensino para todo mundo, é facílimo, eu acabo tudo que eu começo, esse é o segredo da produtividade.
Eu também sempre fui produtivo, porque senão eu piro, começo a pensar na morte.
(...)
Eu escolho o nível mais alto de fuga da realidade, que chama-se arte.


O Homem Lúcido

"O Homem Lúcido sabe
que a vida é uma carga tamanha de acontecimentos e emoções
que ele nunca se entusiasma com ela
Assim como ele nunca tem memórias
O Homem Lúcido sabe
que o viver e o morrer são o mesmo em matéria de valor
posto que a vida contém tantos sofrimentos
que a sua cessação não pode ser considerada um Mal
O Homem Lúcido sabe
que ele é o equilibrista na corda bamba da existência
Ele sabe que por opção ou por acidente é possível cair no abismo a qualquer momento
interrompendo a sessão do circo
Pode também o Homem Lúcido optar pela vida
Aí então ...Ele esgotará todas as suas possibilidadades
Ele passeará pelo seu campo aberto
pelas suas vielas floridas
Ele saberá ver a beleza em tudo!
Ele terá amantes, amigos, ideais
urdirá planos e os realizará
Resistirá aos infortúnios e até mesmo às doenças
E se atingido por um desses emissários
saberá suportá-lo com coragem e com mansidão
E morrerá, o Homem Lúcido, de causas naturais
e em idade avançada
cercado pelos seus filhos e pelos seus netos que seguirão a sua magnífica aventura.
Pairará então sobre a memória do Homem Lúcido
uma aura de bondade
Dir-se a:
-Aquele amou muito. Aquele fez muito bem as pessoas!
A Justa Lei Máxima da Natureza obriga que
a quantidade de acontecimentos maus na vida de um homem se iguale sempre
à quantidade de acontecimentos favoráveis
O Homem Lúcido porém
esse que optou pela vida
com o consentimento dos deuses tem o poder magno de alterar essa lei
Na sua vida, os acontecimentos favoráveis serão sempre maioria...
Porque essa é uma cortesia que a Natureza faz com Os Homens Lúcidos"

2 comentários:

Fatima Cristina disse...

Oi Ana Cristina,
Me sinto daqui de longe com uma pézinho na FLIP lendo o Canastra e o Doidivana... Valeu! Obrigada!
BEijos.

Ana Cristina Melo disse...

Oi, Fatima!

Que bom, fico tão feliz. Acho que a internet tem que servir para isso, para deixar todos muito próximos. Compartilhar sempre.
Você conseguiu ver a mesa de ontem do António Lobo Antunes? Foi fantástica!
Beijos