quarta-feira, 8 de julho de 2009

Conto Passageira

Minhas férias estão acabando. Já estou ficando deprimida... tanto que tinha para fazer e não consegui concluir nem um terço.

Bom, para me deixar um pouco mais para cima, publico um conto meu.

Passageira
Ana Cristina Melo

Enquanto o carro avançava numa velocidade de bicicleta, a pista inversa corria fluída, levantando uma nuvem de fumaça preta. À sua frente, outras nuvens. O sol tentava vencer a paisagem cinza-chumbo das nuvens. Os raios que conseguiram a cegaram momentaneamente. Tateou a bolsa para encontrar os óculos escuros. Vinte metros depois, o vidro foi salpicado por grossos pingos de chuva, logo transformados em temporal. Poças rapidamente começaram a se formar. Até que ela viu caminhar, por entre os carros, uma verdadeira multidão de homens e mulheres de branco. Seu coração ao mesmo tempo em que não sentia medo, parecia diminuir de ritmo.

Eles cercaram seu veículo, enquanto ela mantinha o olhar sempre reto, ansiosa para que o trânsito se desfizesse. Travou as portas e evitou a visão periférica.

O tempo foi ficando cada vez mais fechado. Não arriscava confirmar, mas sabia que eles continuavam ali.

Quando sua mão decidia destravar as portas, seu olhar esbarrou no painel. Viu a foto com as filhas e os netos. Sentiu falta do marido, que se fora há dois anos, após um casamento de cinquenta e um. Mas a vida ainda era boa, não lhe faltava amor, nem saúde, apenas pequenos engasgos comuns às suas sete décadas. Falta mesmo só sentia do ombro companheiro, ausência que ainda a fazia chorar todas as noites, quando os bons motivos não lhe eram suficientes para aplacar a saudade que vinha forte. Sentiu vontade de fugir dali.

Os carros da frente começaram a se mover. Ela engatou a primeira e seguiu devagar, até que no espelho retrovisor não viu mais nenhum vestígio da multidão.

A chuva cessou e o sol foi vencendo novamente as nuvens pesadas. A luz voltou a cegá-la momentaneamente.

Fechou os olhos para se proteger e, ao abri-los, viu-se então de branco. Ouviu o barulho metálico das máquinas que diziam o quanto estava viva.

Segurando suas mãos estavam duas gerações: motivo para ainda continuar.

2 comentários:

Paulo Fodra disse...

Adorei!... Curto, limpo e denso! Parabéns!

Ana Cristina Melo disse...

Obrigada, Paulo.
Dei uma passada em seus blogs, também. O pouco que li, gostei. E as ilustrações? Que lindas!