Nossa, há quanto tempo não falo dos livros que tenho lido, do que tenho escrito, transcrito aqui frases sobre a técnica...
Hoje li um conto do livro A liberdade é amarela e conversível do André Giusti (aliás, um livro de contos muito bom. Recomendo!) que fala sobre o vazio. Um vazio imenso que nos toma meio a felicidade, que transforma a felicidade do que conquistamos em algo menor do que realmente é. E sabe que estava me batendo um vazio sobre o Canastra. Uma sensação de que ele já não era mais o mesmo. Então, pensei que é bom comentar, citar as notícias literárias, mas se tem algo que me dá prazer é ir direto ao ponto, ou seja, falar dos livros, citar o que mais me tocou, divulgar meus escritos.
E para espantar de vez esse vazio, vamos voltar a conversar sobre o que de bom tem passado pelas minhas mãos.
Sobre a coleção Viver & Escrever da Edla Van Steen eu já havia falado aqui duas vezes. E com minha falação (como diz minha pequena), havia citado também alguns trechos. Mas são tantos depoimentos interessantes, que só lendo o livro todo.
Outro livro muito bom que terminei de ler há 10 dias se chama Nos bastidores do imaginário: criação e literatura infantil e juvenil, da Anna Claudia Ramos. Mas alguns devem pensar assim: "mas não pretendo escrever literatura infantojuvenil". E eu respondo: "Não faz diferença, pois Anna fala e muito da literatura, de sua técnica, de sua importância. E literatura é literatura, não importa o gênero".
Sobre os livros, eu indico Mundos de Eufrásia de Claudia Lage. Ainda não terminei, mas até agora foram três quartos de uma história forte contada com linhas inteligentes, de técnica refinada, de palavras exatas, de jogos de palavras que são uma aula à parte. Recomendo!
Voltando um pouquinho mais no tempo (já que desde junho eu não falo sobre essas leituras), terminei aquele que foi o livro de estreia de minha querida Livia Garcia Roza -- Quarto de menina. Livia o lançou em 1995 e o relançou no Salão do Livro deste ano. Falta muito pouco para eu dizer que já passei por toda a sua prosa. E Quarto de menina prova que tudo de maravilhoso que ela criou depois nasceu com seu livro de estreia. É classificado como livro infantil, mas sendo acima de tudo literatura, recomendo a qualquer idade.
Já passei por vários romances e coletânea de contos de Lygia Fagundes Telles, mas ainda não havia lido Antes do baile verde. Aproveitei o relançamento pela Companhia das Letras para saldar meu débito. E fiquei feliz em fazê-lo. O livro é um dos melhores de Lygia. Alguns contos eu já conhecia, mas é sempre bom revê-los, revisitá-los com novas experiências, novas sensações. Afinal somos leitores diferentes a cada vez que entramos em um livro.
Li também nos últimos meses a coletânea de contos A cabeça, de Luiz Vilela. Se tem algo que fui tratando com carinho nesses últimos anos em meus textos são os diálogos. O próprio Paulo Bentancur disse sobre meu livro de contos: "(...) é sobretudo nos diálogos – essa praga na literatura brasileira, uma vez que diálogos são tratados pelo escritor nacional de forma um tanto forçadamente seca ou falsamente retórica –, repito, é nos diálogos que Ana Cristina Melo mostra que é incapaz de trair suas personagens e o universo de que elas dão notícia.". Mas não é sobre mim ou meus diálogos que quero frisar, mas sobre os diálogos não menos que perfeitos que permeiam todo o livro de contos de Luiz Vilela.
Outro título é Vésperas de Adriana Lunardi. Esse livro não é um lançamento recente, mas estava na minha fila do "a comprar" há muito tempo. E depois de comprado, passou para a fila do "a ler". E como me arrependi de não tê-lo lido antes. São contos que transcendem a biografia das escritoras e seus últimos momentos. Muito bom!
Sobre Outra vida de Rodrigo Lacerda, nem preciso falar, até porque já publiquei aqui uma resenha sobre o mesmo. Mas não custa lembrar de que é um romance maravilhoso.
Na mesma linha de lançamentos recentes, vale e muito uma passagem pelo Hotel Novo Mundo da Ivana Arruda Leite. Outra preciosidade. Ivana tem um humor inteligente e a simplicidade que de nada tem de simples na criação, mas o esforço e a minúcia de quem muito se esforça para atingir esta segurança.
Ainda com Ivana Arruda Leite, aproveitei e fui na marola de sua prosa, lendo o livro de contos Ao homem que não me quis. Um livro muito bom, que fecha com o conto que dá título ao livro. Conto este simplesmente maravilhoso.
E falando em estreias tem o romance O contorno do sol de Natália Nami. Pauta-se em dois enigmas e uma grande habilidade da autora para narrar entre os claros e as sombras da história.
E para não me acusarem de só ler os daqui, cito um estrangeiro. Não é porque goste menos, mas realmente tivemos tão bons lançamentos nos últimos meses, que foi impossível ficar longe do que de melhor é fabricado "dentro da nossa casa". Assim, li também, O animal agonizante de Philip Roth. Não é preciso que se fale de Roth. Seus livros são o bastante. Mas esse livro nos prende e nos derruba, mantendo o estilo irônico e incisivo do autor.
Bem, por hoje é só.
Assim, para atiçar mais ainda a curiosidade de vocês, nos próximos posts (incluindo esse) vou deixar aqui algumas sementinhas dessas leituras. Trechos que me tocaram, que marquei com a minha tradicional carinha de "Adorei!". :)
Começo com o livro da Anna Claudia Ramos:
* Entrevista de Anna Claudia Ramos com Ana Maria Machado
"Em um ciclo de palestras a respeito de sua obra, alguém lhe perguntou sobre o que ela considerava um bom livro infantil, Ana Maria (MACHADO, 2002) respondeu, apesar de antes ressaltar que essa era uma definição difícil, muito ampla, citando o autor inglês C. S. Lewis: 'Um bom livro infantil é aquele que a gente lê com deleite aos 10 anos e relê com igual prazer aos 50 anos'".
"Anna Claudia - Criar um mundo pra aquela história. O leitor não precisa saber de um monte de coisas que o escritor pensou ao construir uma personagem, por exemplo, mas o que o escritor precisa saber.
Ana Maria - O Hemingway dizia uma coisa perfeita. Ele dizia que o livro deve valer pelo muito que nele não entrou. Eu acho, por exemplo, que um dos segredos da grande qualidade da literatura infantil é que tivemos um grupo de autores muito leitores e que, então, eles tinham muito para não entrar no livro."
* Capítulo: Como e por que criamos?
"(...) é pela linguagem que o escritor realiza seu trabalho, que este só é possível pelo trabalho estético, o que distingue a criança que brinca do escritor criativo. Mas é preciso deixar claro que Freud faz uma distinção entre o escritor criativo (que cria seu próprio material) e o escritor que utiliza temas preexistentes (que reformula um material preexistente e conhecido, que geralmente procede dos mitos e lendas)."
"Quando digo que alguém pode escrever só para agradar a um tipo de mercado, essa pessoa tem um caminho a seguir bem diferente de quem quer ter estilo próprio e escrever sem se preocupar em passar valores ou conceitos preestabelecidos. Esse tipo de texto no qual o escritor se permite escrever sem ficar preso a passar valores explícitos se propõe a ser literatura. São textos onde as personagens podem ser paradoxais e os mundos da ficção são bem estruturados e definidos, em detrimento de textos em que existem personagens pré-fabricadas e mundos falsos, criados apenas para agradar a um tipo de demanda no mercado."
"Aonde se quer chegar com a história? Há que se preocupar com o foco narrativo, com a estrutura da narrativa, a técnica, a pontuação, o ritmo do texto, a idéia e o aproveitamento da idéia, com a construção das personagens. (...) Em se falando de construção narrativa, vale dizer que, para se criar uma história e achar seu tom, seu ritmo, seu foco, seu narrador, é preciso criar o mundo dessa história".
"O mais importante é o ritmo, que tem que fluir bem e se sustentar ao longo do texto. E é preciso maestria para saber dar ritmo a um texto, senão o texto fica cheio de palavras desnecessárias.
Existe ainda o problema da adjetivação. Escritores iniciantes normalmente se valem excessivamente de adjetivos. A cada frase usam tantos adjetivos que acabam sufocando o texto, não deixam um espaço de respiração entre as palavras. Isso, na maioria das vezes, deixa o texto pesado e chato, pois tudo tem uma definição, tudo vem tão pronto, tão mastigado que nem sobre lugar para o leitor imaginar nada".
"(...) a linguagem não é apenas o que ela diz, ela é também o que está na ausência das palavras, nas lacunas existentes entre as linhas de um texto e nas relações entre quem fala e quem ouve, quem escreve e quem lê."
"As palavras são as ferramentas de trabalho de um escritor. É pela linguagem que ele dá vida às personagens. A viagem da ficção começa na maneira como as palavras são articuladas e organizadas nas frases, em como o autor vai usar a sua técnica pessoal para criar um texto, em como ele fará uso da pontuação".
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