O grande problema do Brasil, ou de quem faz as suas leis, é que se tenta acabar com os ratos colocando remédio (mesmo que mate outros animais inocentes), em vez de recolher o lixo que os atrai.
Desculpem a metáfora tão forte, mas é indignante pensar no caminho que se toma para solucionar questões sérias. E mais ainda pensar que as pessoas que deveriam ser as primeiras a defender o acesso à cultura são as primeiras a aplaudir decisões que violam o bom-senso.
O Senado aprovou um Projeto de Lei que regulamenta a concessão da meia-entrada para estudantes e idosos acima de 60 anos. Até aí está tudo bem, mas vamos continuar. O problema é que a proposta limita esses ingressos a 40% do total de ingressos disponíveis para cada evento.
Qual a justificativa? coibir a falsificação das carteiras de estudantes, problema apontado pelos produtores culturais.
A partir disso eu pergunto o seguinte: se a justificativa se baseia nas falsificações das carteiras, por que não centralizar num órgão de confiança a emissão dessas carteiras? Por que incluir nesse projeto as entradas de idosos? Será que os pobres velhinhos estão falsificando rugas e cabelos brancos? E como ficarão as meias-entradas para crianças? Então num espetáculo infantil, um casal com dois filhos passa a pagar 4 inteiras?
E quem garante que haverá lisura nas bilheterias para controlar esses 40%? Quem irá fiscalizar isso? O que fará um idoso que queira assistir a um espetáculo e já na fila seja surpreendido com a notícia que terá que pagar um ingresso inteiro? E uma família com 2 ou 3 filhos? Eles dizem às crianças "desculpe, os ingressos que o papai pode pagar acabaram. Vamos voltar para casa." Por que não se votou um subsídio para essas meias-entradas?
Será que as salas de espetáculos estão tão cheias que os artistas podem se dar ao luxo de dispensar espectadores? Deve ser esse o motivo que tantos artistas ficam pelos andares do Shopping da Gávea divulgando suas peças, não é? É porque está faltando público...
Para mim festejar a aprovação desse projeto é valorizar uma posição elitista. O quanto se acha que a classe média consegue separar de seu orçamento para o lazer, considerando R$ 15 um ingresso de cinema, ou R$ 40 a R$ 60 um ingresso para teatro. Uma família de 4 pessoas (que é o meu caso) numa ida ao teatro, a esses valores, passaria a gastar no mínimo R$ 165 (considerando só o estacionamento, sem dar direito às crianças de lancharem). Talvez para o topo da pirâmide esse valor seja uma gorjeta de final de semana, não é?
Levo meus filhos com freqüência ao cinema e ao teatro, e me valho, sim, de meias-entradas para as crianças e de ingressos promocionais, pois além da cultura, eu preciso oferecer educação e saúde a eles, o que já me garante uma boa quantidade de dígitos no orçamento.
Abaixo a notícia publicada no Blog do Noblat a respeito, e a seguir outros links.
"Senado impõe limites à meia-entrada
De Adriana Vasconcelos:
Em meio à pressão de produtores culturais, artistas e estudantes, que não conseguiram se entender, a Comissão de Educação do Senado aprovou ontem, por unanimidade, projeto de lei do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) que regulamenta a concessão da meia-entrada para estudantes e idosos acima de 60 anos. A proposta limita a concessão da meia-entrada a 40% do total dos ingressos disponíveis para cada evento. Contrário à fixação dessa cota, o senador Inácio Arruda - do PCdoB, ligado à União Nacional dos Estudantes - tentou suprimir esse dispositivo do texto, mas seu destaque foi rejeitado com 14 votos contra e apenas sete a favor.
Para coibir a falsificação das carteiras de estudantes - apontada por produtores culturais e pela classe artística como responsável pelo aumento dos ingressos e até por inviabilizar espetáculos -, o projeto autoriza o Executivo a criar o Conselho Nacional de Fiscalização, Controle e Regulamentação da Meia-Entrada e da Identificação Estudantil. Caberá a esse conselho fixar critérios para a padronização, confecção e distribuição das novas carteiras estudantis, além de organizar mecanismos de controle da venda da meia-entrada e estabelecer um prazo de compra antecipada para a aplicação do benefício.
O resultado foi comemorado por produtores culturais e inúmeros artistas que acompanharam a votação - entre eles, os atores Wagner Moura, Christiane Torloni, Beatriz Segall e Gabriela Duarte. O presidente da Associação dos Produtores Teatrais Independentes de São Paulo, o ator Odilon Wagner, elogiou a fixação da cota e a inclusão, na última hora, de emenda do senador Augusto Botelho (PT-RR) sugerindo que o governo busque forma de ressarcir os produtores culturais pelo benefício."
Outros links a respeito:
Agência Brasil - Cota de 40% para meia-entrada divide opiniões
Estadão - Veja o que impõe o projeto de lei sobre a meia-entrada
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