Apesar de concordar que a diversificação do mercado se justifica quando se busca o sustento das editoras, Carrero aconselha que os escritores não se preocupem com as vendas, buscando um caminho que possibilite a sobrevivência do romance. E como conclusão, ele aponta um meio-caminho entre a simplicidade e a sofisticação, aliás, tema do seu próximo livro: “As estratégias do narrador”, a ser publicado em breve pela Editora Iluminuras.
Abaixo tomo a liberdade de reproduzir o artigo de Carrero, com a minha alegria e satisfação pela leitura, que merece ser apreciada e reapreciada, assim como os bons romances.
Neste momento, portanto, a ficção se dilacera entre a obra de arte e a obra voltada apenas para o leitor, transformada em mercadoria. Aliás, os próprios autores norte-americanos tentaram reunir nas suas narrativas as técnicas do romance policial e a história compra-e-vende dos europeus, para combater, por exemplo, os árabes e indianos, que escrevem – e são educados – em inglês. O mercado se diversifica, numa clara estratégia de mercado, o que não é de todo ruim: afinal, alguém tem de vender para sustentar as editoras.
Então nós temos aí duas realidades incontestáveis: a arte e o mercado. Como, então, devem se comportar os escritores? Em primeiro lugar não se preocupando com a questão das vendas, o que deve interessar somente aos editores. Afinal, eles vivem disso. E os escritores não vivem disso? É a segunda parte desta reflexão e que me interessa muito. As vanguardas exauriram a narrativa, até pela própria natureza de movimento literário. Mas só pode haver mudança através das vanguardas? Acredito, sinceramente, que não. No entanto, devemos encontrar um caminho que também possibilite a sobrevivência do romance. E ela se dá entre a simplicidade e a sofisticação, tema do meu próprio livro sobre o assunto: As estratégias do narrador, que deve ser publicado logo pela Iluminuras.
Na simplicidade, o romance deve chegar aos olhos do leitor com tal leveza que não exija nenhum tipo de quebra-cabeça, tornando-se cada vez mais leve. Aí está o segredo. No entanto, isto não quer dizer que o escritor abdicará das técnicas interiores, que se revelarão na sofisticação. Esse caminho, aliás, já estava sendo preparado por Machado de Assis, sobretudo nos contos, e em Dom Casmurro, um dos romances mais bem elaborados do final do século 19 e começo do 20, equiparando-se ao que de melhor se escreveu na Europa. Não é sem razão que Harold Bloom escreveu: "Machado de Assis é um milagre". E que Susan Sontag, surpreendida a cada palavra, dizia que a escrita daquele mulato carioca era tão sofisticada que não podia entender o fato de ele nunca ter se afastado do Rio de Janeiro mais do que alguns quilômetros. Aí reside um tanto de preconceito. Mas tudo bem.
Simplicidade e sofisticação
Só para lembrar: O Machete começa pela técnica do personagem ilustrativo, na figura do pai de Inácio Ramos – o personagem central – para desaparecer imediatamente no segundo parágrafo, sabendo-se apenas que ele morreu. Nada mais sutil. Naquele primeiro parágrafo que pode – reitero – ser lido por qualquer um há uma carga técnica impressionante. O personagem – o pai – ilustra o caráter de Inácio Ramos – o personagem – sem cair no lugar-comum e possibilitando uma leitura agradável.
Pelos movimentos internos demonstra-se que a relação pai e filho não é afetiva, embora não diga isso em lugar algum. É possível perceber o afeto e o entusiasmo quando aparecem, logo em seguida, o velho músico alemão e a mãe, esta sim, tratada com muito carinho, e colocada em oposição ao pai. Sem que o narrador tenha que dizer. A leitura, por si só, revelará os sentimentos.
Isso quer dizer: técnica. Não é regra – lembro sempre: não existem regras para a ficção. Mas um caminho a que o escritor pode ou não recorrer para o estudo. Nada mais do que isso. Sem encrencas nem debates. Tenho o maior respeito pelos que divergem de mim. Só quero pensar. Talvez discutir. Mas todos têm razão. E isso é o que importa: o amor pelo romance. Enfim, pela escrita. Por isso mesmo, encontro aí motivos suficientes para que se possa trabalhar o romance, cujos caminhos são cada vez mais ricos, mesmo que se recorra, em certo sentido, ao passado.”
RAIMUNDO CARRERO é escritor, jornalista e professor de criação literária. Publicou, entre outros, Somos pedras que se consomem, As sombrias ruínas da alma, Sombra severa, Ao redor do escorpião... uma tarântula? e O amor não tem bons sentimentos. Nasceu em Salgueiro (PE), em 1947. Vive em Recife (PE).
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