quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Minha entrevista no Programa Livros na Mesa

Hoje foi ao ar minha entrevista para o Programa Livros na Mesa, com Suzana Vargas, exibido no canal TVC (canal 6 da Net).

Era para eu ter divulgado antes, mas essa guerra que virou o Rio de Janeiro me tirou do prumo.

Mas para quem não ficou sabendo, dá para assistir a reprise no domingo, às 21h30.

A entrevista foi para o Programa Livros na Mesa que é o terceiro bloco dentro do Programa Debate Brasil.

Mas em breve vou tentar o vídeo também para divulgar aqui.

Enquanto isso, vocês podem curtir três das quatro entrevistas que dei para rádios daqui e do Ceará:

- Entrevista ao vivo para Mônica Christi, no Programa Mulher Brasileira, da Rádio Rio de Janeiro. Acesse o áudio da primeira parte e da segunda parte. Exibido em Junho.

- Entrevista para Lilian, no Programa Autores e Ideias, da Rádio Assembléia FM 96,7 (Fortaleza - CE). Acesse o áudio aqui. Exibido em julho.

- Entrevista ao vivo para Alessandra Eckstein, no Programa Estação Cultura, da Rádio MEC AM - Rio. Acesse o áudio aqui. Exibido em novembro.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Lobato é politicamente incorreto?


Uma nova semana se inicia, um novo mês, mas ainda são presentes as principais notícias que nos tomaram no final de outubro: a corrida presidencial e o parecer do Conselho Nacional de Educação contra o livro "Caçadas de Pedrinho" (de Monteiro Lobato), recomendando que o mesmo não seja distribuído a escolas públicas ou, se for, que seja acompanhado de um aviso alertando se tratar de obra racista. (Veja matéria no Estadão - http://blogs.estadao.com.br/marcos-guterman/quem-tem-medo-de-pedrinho )

E vejo que literatura e política estão cada vez mais entremeados.

Vamos lá. Monteiro Lobato escreveu Reinações de Narizinho em 1931 e Caçadas de Pedrinho em 1933, quarenta e cinco anos após a abolição da escravatura. A liberdade não lhes forneceu ascensão social, lhes forneceu o direito de ir-e-vir, o direito de ser humano, acima e antes de tudo. O direito de trabalhar onde fosse respeitado.

No livro Caçadas de Pedrinho, tia Nastácia se declara uma negra de 70 anos, o que nos leva a concluir que, certamente, ela foi escrava, pois a lei do Ventre Livre é de 1871.

Isso nos traz um contexto de época, o que justifica sem muito esforço a posição de Nastácia como agregada da casa. Mas essa agregada que trabalha, que cozinha, é apresentada por Lobato como se fosse uma pessoa da família. Não é a Negra Nastácia, é a Tia Nastácia. É a "negra de estimação que carregou Lúcia em pequena", como o próprio Lobato apresenta no primeiro capítulo de Reinações de Narizinho.

A "bá" que se torna parte da família, que traz a visão do povo, cheio de sabedoria. A sabedoria que está no conhecimento da vida e nas prendas que carrega, pois não podemos esquecer que Emília e Visconde saíram de suas mãos. Em Reinações de Narizinho, Lobato narra a "filosofia" de Narizinho, mostrando essa sabedoria: "As ideias de vovó e Tia Nastácia a respeito de tudo são tão sabidas que a gente já as adivinha antes que elas abram a boca".



Tia Nastácia é respeitada, amada e reconhecida não só pelas crianças como por Dona Benta. E podemos nos perguntar quantos negros nos anos 30 eram assim tratados.

E então, de repente, quase 80 anos depois dessa obra ser publicada, questionam o racismo que existe nela. Será racismo apresentar uma personagem que, sendo parte de um grupo tão à margem da sociedade da época, é apresentada como importante, como uma pessoa digna de respeito? Isso sem contar o lado lúdico e mágico, no qual eu não posso conceber o mundo sem a Emília, que nasceu das mãos de Nastácia.

Na história, durante as crises de perigo, a preocupação das crianças não se limita à avó, mas também à Tia Nastácia. E não vejo algumas passagens mais do que o tratamento cuidadoso com aqueles que de maior simplicidade cultural, mas de grandiosidade humana.

Veja um trecho de Caçadas de Pedrinho:

"Aí é que foi a dificuldade. A pobre negra era ainda mais desajeitada do que Rabicó e Dona Benta somados. Quando, depois de inúmeras tentativas, ia se tenteando sobre as pernas de pau, perdeu de súbito o equilíbrio e veio ao chão, num berro. Felizmente caiu sobre um varal de roupa e não se machucou."

Mas é claro que foram pegar um outro trecho para provar o racismo da obra. Um trecho em que Lobato diz "Sim, era o único jeito - e Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão, pelo mastro de São Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros".

O que é uma macaca de carvão? Não sei dizer. Nem consigo alcançar se isso foi um tratamento preconceituoso. E se tiver sido um momento em que Lobato reforçou a cor de Tia Nastácia, no seu íntimo, em toda sua obra, ele mostra que a cor ou qualquer outra diferença não impede o amor entre as pessoas. Afinal, no Sítio temos uma boneca casando com um porco, uma menina casando com um peixe, um sabugo de milho que se torna um gênio, e por aí vai.

E como ele mesmo diz ao final do livro, Tia Nastácia é gente e gente que merece respeito:

"Dona Benta deu um suspiro de alívio e voltou ao terreiro. Queria continuar o seu passeio no carrinho. Mas não pôde. Tia Nastácia já estava escarrapachada dentro dele.
- Tenha paciência - dizia a boa criatura. - Agora chegou minha vez. Negro também é gente, Sinhá..."

Será que não é isso que Lobato quis passar? Que se deve respeitar o outro, seja ele qual for. Dar-lhes direitos iguais.

Como leitora, como escritora, me pergunto como é possível querer julgar uma obra dessas, no contexto daquela época, pela visão de hoje.

Acho que tem se falado muito de politicamente correto, de racismo; não vejo como trocando o termo "negro" por "afrodescendente" pode resolver os problemas da nossa sociedade. Politicamente, pensa-se em soluções que apenas maquiam os problemas.

Pois eu acho que as soluções deviam se preocupar com a educação, com o sentido de cidadania, de respeito ao próximo. Não só para as crianças como para os pais. Se tivermos maior essa noção, resolve-se não só o desrespeito às etnias ou aos deficientes ou ao meio ambiente, resolve-se o desrespeito à vida como o bem mais precioso.

Será que todas as pessoas que apontam racismo na obra de Lobato ensinam aos seus filhos, aos seus netos, a respeitar o próximo?

Será que essas pessoas, ao dirigirem, ligam uma seta para mudar de faixa, não jogam seus carros na frente de outros motoristas, ou andam três quarteirões para entrar na mão certa, em vez de fazer uma contramão?

Será que essas pessoas ao saírem com seus cachorrinhos, não deixam que eles façam sujeiras na porta dos outros, ou urinem nos carros alheios?

Será que essas pessoas ao terminar de comer uma bala, guardam o papel até a próxima lixeira ou deixam o lixo como rastro de suas atitudes?

Será que essas pessoas evitam fumarem perto de outras ou lançam suas guimbas, ainda acesas, ainda luminosas de seu tipo de pensamento, em qualquer lugar da rua?

Isso me preocupa muito mais. Isso me incomoda muito mais. São pequenas atitudes assim que trazem o racismo contra a vida, contra o semelhante. Há mais de cem anos não temos mais a escravidão, mas a falta de cidadania corrói todas as classes sociais, e faz com que a vida seja reduzida a muito pouco.

Acho que devemos pensar nisso, quando elencarmos o termo "politicamente correto".